quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sobre o tempo e a velhice, de Antônio Ozaí da Silva


“Matamos o tempo; o tempo nos enterra”.
Machado de Assis
Estes dias assisti ao filme Sombras de Goya[1] e lembrei-me de um texto que li, por coincidência, há cerca de um ano. Trata-se de “O sono da razão produz monstros”, escrito por Jorge Coli.[2] Neste, o autor refere-se a temas que me fazem pensar muito: o tempo e a velhice. Talvez porque o meu vizinho tenha completado 80 anos – e em plena forma; ou porque medito sobre o meu avô com os seus 107 – embora numa situação praticamente vegetativa; talvez porque nesse período fico assim… pensativo!; quem sabe seja a proximidade do meu cinqüentenário.
Seja como for, na obra do pintor Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828) há um quadro que representa mulheres idosas diante do espelho. É uma das faces da velhice que, muitas vezes, não gostamos de ver, mas que mostra como o tempo deixa suas marcas. Como nota Coli, “toda beleza fenece, o vigor da juventude é transitório, loucos aqueles, como a velha no espelho, que desconhecem o caráter transitório de si mesmo”.[3]

Às vezes, a vaidade nos cega diante dessa realidade irrefutável: o tempo passa, ou, como dizia o poeta, “O tempo não pára”. Dialeticamente, como diriam meus amigos marxistas, a vida traz em si a própria destruição; começamos a morrer assim que nascemos e quanto mais nos apegamos à vida, mas ela foge de nós. Eis uma contradição insuperável. Daí o apego humano aos delírios da imortalidade e a crença em promessas como a ressurreição, vida após a morte, etc.
Talvez o tempo seja como Saturno, o deus da mitologia romana representado por Goya, sobre o qual observou Coli: “A imagem do tempo capaz de revelar a verdade torna-se para ele [Goya] a entidade obsessiva e impiedosa que reduz o homem ao efêmero de si mesmo. Passa-se da experiência física a uma consciência propriamente ontológica do estar no mundo: numa das decorações para a sua Quinta, o velho tempo transforma-se num Saturno, num deus Cronos monstruoso, que devora seus próprios filhos. O tempo é aquele que engendra, o pai absoluto que traz à existência para depois destruir sua prole”. [4]

Outro dia vi um cachorro morto na rua e, instintivamente, virei o rosto. Não queria olhá-lo. A cena me perturbava. A imagem não saía da mente. Por que? Se pensarmos bem, do ponto de vista da matéria, isto é, da certeza de que fenecemos como qualquer outro corpo vivo, o que nos diferencia de um cão ou outro animal? O fato de termos consciência? A nossa alma? A crença em algo transcendental e noutra esfera para onde irá a nossa alma? É preciso, porém, acreditar!
Permanece o dilema humano e a dificuldade em aceitar que não é eterno, que a vida é finita. O ser humano é o único animal que tem consciência da morte e, portanto, é admirável a sua arrogância perante o inexorável. Alguns até se recusam a falar e pensar sobre isso; outros agem como se a juventude não sucumbisse ao tempo. Esquecem, no entanto, que morremos a cada segundo que vivemos.
A depender das circunstâncias, talvez seja melhor não chegar à velhice, não se ver no espelho nem vegetar. Vale a pena continuar vivendo quando perdemos o domínio mais elementar sobre o nosso corpo? Não podemos fugir à morte, mas é possível transformar o tempo em nosso amigo? Não advogo o suicídio nem recrimino a velhice. Esta tem algo de belo e positivo. Há outros quadros que podem ser pintados além das representações do grande pintor espanhol. Em qualquer caso, o tempo deixa marcas indeléveis em nosso rosto, em nosso corpo. Ele não nos perdoará e cumpriremos o ciclo da vida. Melhor nos resignarmos a esta verdade absoluta.
Gostaria de chegar aos 80 anos e curtir a idade com a energia e o orgulho do seu Joaquim; mas não desejo chegar aos 107 se isto significar viver como o seu João, meu avô.
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[1] Sombras de Goya, Espanha, 2006. Direção: Milos Forman.[2] In: NOVAES, Adauto (Org.) A Crise da Razão. São Paulo: Companhia das Letras; Brasília, DF: Ministério da Cultura; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Arte, 1996, p. 301-312.[3] Id, p. 307.[4] Idem.

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