terça-feira, 9 de abril de 2013

Filosofia e felicidade: O que é ser feliz segundo os grandes filósofos do passado e do presente


O que é felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver responder a esta pergunta apresentará uma resposta própria, pois a felicidade, num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível. Por outro lado, há uma ideia de felicidade que pertence ao senso comum e é compartilhada pela esmagadora maioria das pessoas: felicidade é ter saúde, amor, dinheiro suficiente, etc. Além disso, a ideia de felicidade não é uma coisa recente. Com certeza, ela acompanha o ser humano há muito tempo e faz parte de sua história.
Sendo assim, é possível traçar a evolução histórica dessa ideia, se nos debruçarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas ideias, de modo a defini-las e esclarecê-las: a filosofia. Na verdade, a ideia de felicidade tem grande importância para a origem da filosofia. Ela faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia antiga. Vamos, então, acompanhar a evolução histórica dessa ideia fazendo uma viagem pela história da filosofia.
A referência filosófica mais antiga de que se dispõe sobre o tema é um fragmento de um texto de Tales de Mileto, que viveu entre as últimas décadas do século 7 a.C. e a primeira metade do século 6 a.C. Segundo ele, é feliz “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale atentar para a expressão “boa sorte”, pois disso dependia a felicidade na visão dos gregos mais antigos.
Bom demônio
Em grego, felicidade se diz “eudaimonia”, palavra que é composta do prefixo “eu”, que significa “bom”, e de “daimon”, “demônio”, que, para os gregos, é uma espécie de semi-deus ou de gênio, que acompanhava os seres humanos. Ser feliz era dispor de um “bom demônio”, o que estava relacionado à sorte de cada um. Quem tivesse um “mau demônio” era fatalmente infeliz.
Não há dúvida de que, entre os séculos 10 a.C. e 5. a.C, o pensamento grego tende a considerar os maus demônios mais frequentes do que os bons e apresentar uma visão pessimista da existência humana. Não é por acaso que os gregos inventaram a tragédia. Uma expressão radical desse pessimismo nos é fornecido por um velho provérbio grego, segundo o qual “a melhor de todas as coisas é não nascer”.
Foi a filosofia que rompeu com essa visão pessimista e procurou estabelecer orientações para que o homem procurasse a felicidade. Demócrito de Abdera (aprox. 460 a.C./370 a.C.) julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida”. Para atingi-la, o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos e alcançar a serenidade. A filosofia era o instrumento que possibilitava esse processo.
Virtude e justiça
Sócrates (469 a.C./399 a.C.) deu novo rumo à compreensão da ideia de felicidade, postulando que ela não se relacionava apenas à satisfação dos desejos e necessidades do corpo, pois, para ele, o homem não era só o corpo, mas, principalmente, a alma. Assim, a felicidade era o bem da alma que só podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa.
Para Sócrates, sofrer uma injustiça era melhor do que praticá-la e, por isso, certo de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da condenação à morte por um tribunal ateniense. Cercado pelos discípulos, bebeu a taça de veneno que lhe foi imposta e parecia feliz a todos os que o assistiram em seus últimos momentos.
Entre os discípulos de Sócrates, Antístenes (445 a.C./365 a.C.) acrescentou um toque pessoal à ideia de felicidade de seu mestre, considerando que o homem feliz é o homem autossuficiente. A ideia de autossuficiência (que, em grego, se diz “autarquia”,) continuará diretamente vinculada à de felicidade nos setecentos anos seguintes.
Uma função da alma
Mas o maior discípulo de Sócrates, que efetivamente levou a especulação filosófica adiante de onde a deixara seu mestre, foi Platão (348 a.C./347 a.C.), o qual considerava que todas as coisas têm sua função. Assim, como a função do olho é ver e a do ouvido, ouvir, a função da alma é ser virtuosa e justa, de modo que, exercendo a virtude e a justiça, ela obtem a felicidade.
É importante deixar claro que noções como virtude e justiça integram uma vertente do pensamento filosófico chamada Ética, que se dedica à investigação dos costumes, visando a identificar os bons e os maus. Para Platão, a ética não estava limitada aos negócios privados, devendo ser posta em prática também nos negócios públicos. Desse modo, o filósofo entendia que a função do Estado era tornar os homens bons e felizes.
A ligação entre ética e política estará ainda mais definida na obra do mais importante discípulo de Platão, Aristóteles (384 a.C./322 a.C.), o qual dedicou todo um livro à questão da felicidade: a “Ética a Nicômaco” (que é o nome de seu filho, para quem o livro foi escrito). Amigo de Platão, mas, em suas próprias palavras, “mais amigo da verdade”, Aristóteles criticou o idealismo do mestre, reconhecendo a necessidade de elementos básicos, como a boa saúde, a liberdade (em vez da escravidão) e uma boa situação socioeconômica para alguém ser feliz.
Felicidade intelectual
Por outro lado, a partir de uma série de raciocínios que têm como base o fato de o homem ser um animal racional, Aristóteles conclui que a maior virtude de nossa “alma racional” é o exercício do pensamento, pelo quê, segundo ele, a felicidade chega a se identificar com a atividade pensante do filósofo, a qual, inclusive, aproxima o ser humano da divindade.
Sem perder de vista a aplicação prática de suas ideias, Aristóteles considera a política como uma extensão da ética e, nesse sentido, para ele também é uma função do Estado criar condições para o cidadão ser feliz. O Estado que o filósofo tinha em mente, porém, era a “polis” grega, que, naquele momento, estava deixando de existir, com o surgimento do império de Alexandre o Grande.
Depois de Alexandre, no mundo grego ou helênico, desenvolveram-se três escolas filosóficas que vão se estender até o fim do Império romano, as chamadas filosofias helenísticas. Todas elas, por caminhos diferentes, chegam a conclusão de que, para ser feliz, o homem deve ser não só autossuficiente, mas desenvolver uma atitude de indiferença, de impassibilidade, em relação a tudo ao seu redor. A felicidade, para eles, era a “apatia”, palavra que, naquela época, não tinha o sentido patológico que tem hoje.
Prazer e salvação da alma
Entre os filósofos do mundo helênico, pode-se citar Epicuro (341 a.C./271 a.C.), para deixar claro que essa ideia de “apatia” não significa abdicar ao prazer. O prazer era essencial à felicidade para Epicuro, cuja filosofia também é conhecida pelo nome de hedonismo (em grego “hedone” quer dizer “prazer”). Mas ele deixa claro, numa carta a um discípulo, que não se refere ao prazer “dos dissolutos e dos crápulas” e sim ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.
Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a felicidade desapareceu do horizonte da filosofia. Estando relacionada à vida do homem neste mundo, ela não interessou aos filósofos cristãos como Agostinho de Hipona (354 d.C./430 d.C.),Anselmo de Canterbury (1033/1109) ou Tomás de Aquino (1225/1274), todos santos da Igreja católica. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que conta é a salvação da alma.
Os filósofos voltaram a se debruçar sobre o tema na Idade Moderna. John Locke(1632/1704) e Leibniz (1646/1716), na virada dos séculos 17 e 18, identificaram a felicidade com o prazer, um “prazer duradouro”. Alguns décadas depois, o filósofo iluminista Immanuel Kant (1724/1804), na obra “Crítica da razão prática” definiu a felicidade como “a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade”.
Direito do homem
No entanto, para Kant, como a felicidade se coloca no âmbito do prazer e do desejo, ela nada tem a ver com a Ética e, portanto, não é um tema que interesse à investigação filosófica. Sua argumentação foi tão convincente que, a partir dele, a felicidade desapareceu da obra das escolas filosóficas que o sucederam.
Mesmo assim, não se pode deixar de mencionar que, no mundo de língua inglesa, na mesma época de Kant, a ideia de felicidade ganhou lugar de destaque no pensamento político e buscá-la passou a ser considerada um “direito do homem”, como está consignado na Constituição dos Estados Unidos da América, que data de 1787 e foi redigida sob a influência do Iluminismo.
Egocentrismo e infelicidade
É também no âmbito da filosofia anglo-saxônica, no século 20, que se encontra uma nova reflexão sobre nosso assunto. O inglês Bertrand Russell (1872/1970) dedicou a ele a obra “A conquista da felicidade”, usando o método da investigação lógica para concluir que é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e de relações com as coisas e com os outros homens para ser feliz. Para ele, em síntese, a felicidade é a eliminação do egocentrismo.
Mais recentemente, em 1989, o filósofo espanhol Julián Marías também dedicou ao tema um livro notável, “A felicidade humana”, em que estuda a história dessa ideia, da Antiguidade aos nossos dias, ressaltando que a ausência da reflexão filosófica sobre a felicidade no mundo contemporâneo talvez seja um sintoma de como esse mesmo mundo anda muito infeliz.
Bibliografia
Abbagnano, Nicola - "Dicionário de Filosofia", Martis Fontes, São Paulo, 2000.
Berti, Enrico - "No princípio era a maravilha", Loyola, São Paulo, 2010.
Marías, Julián - "A felicidade humana", Duas Cidades, São Paulo, 1989.

Antonio Carlos Olivieri Antonio Carlos Olivieri é jornalista e escritor.

O mundo contemporâneo e os seus valores


O tempo de hoje não é mesmo mais o tempo de ontem. Mas isso não é uma obviedade qualquer. Desde a infância, o homem é estimulado a consumir. Aliás, a criança é fonte de lucro. Basta ver as propagandas sobre produtos que devem ser adquiridos para satisfazer e “garantir” uma vida boa para os bebês que ainda vão nascer. Já na barriga da mãe eles são fontes de dinheiro. Tudo passa a valer a pena ser comprado. Os tentáculos do consumo têm provocado uma mudança profunda nos valores que tomamos para guiar as nossas vidas. O mundo dos desejos pertencem a outrem, que vai nos estimulando a cada instante a trocar, a comprar, enfim, a consumir. E o que se constata é que o produto adquirido torna-se descartável daqui a pouco. Nada é estável e nem consolidado.
Ao fim de tudo, o desejo torna-se infinito por natureza e passamos a maioria do nosso tempo vital tentando saciá-lo. E ao mesmo tempo convivemos com a insatisfação permanente. Nem ao menos aprendemos a manipular uma TV ou qualquer outro aparelho eletrônico, a publicidade nos diz que surgiu um mais moderno e requintado. É preciso trocar!
Parece que convivemos em um tempo que não nos dá mais a chance de refletir, pois há uma “sociedade secreta” que pensa por nós. Dá aquela sensação de que estamos sendo manipulados por forças alheias à nossa vontade. Nem precisamos ir mais às Igrejas ou recorrer à família ou a um partido político para buscar, viver ou experimentar valores ou mandamentos. Tudo já está pensado, fabricado e pronto para ser digerido e vivido.
Não são poucos os pensadores que escreveram sobre isso. Nietszche, Max Weber, Zigmunt Bauman, entre outros, considero os mais proeminentes que abordam a questão. Os valores universais que orientavam e davam sentido ao agir humano parece que foram substituídos e aniquilados. Tudo agora é efêmero, descartável, flácido, desencantado, liquido e ultrapassado. Se quisermos alguma dignidade no viver é preciso estar aberto ao novo a todo instante. Um novo que nem dá tempo de conhecê-lo direito, pois em pouco tempo já está velho.
Uma situação como essa lembra as frutas que são amadurecidas artificialmente. O seu sabor, o seu perfume e a sua textura se revestiram de uma qualidade e de características quase irreconhecíveis. Visto que nada mais é durável, isto é, a rapidez é o mote e o motivo da vida humana, novos valores precisam ser inventados bem como novas posturas e atitudes.
Viver na contemporaneidade é enfrentar as trevas e as luzes que ela lança sobre nós. Ser contemporâneo é ter a capacidade de reconhecer a presença da imagem de algo que ausenta a todo instante, pois percebe que a vida e, nós mesmos, somos incompletos e provisórios. “Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”, diz o filósofo Giorgio Agamben.  Os valores do nosso tempo estão constitutivamente adiantados a si mesmo e a nós e, exatamente por isso, também sempre atrasados, pois tem sempre a forma de um limiar inapreensível entre um “ainda não” e um “não mais”. O desafio é viver nesse limiar.