Os livros de história nos ensinam que quando se instaurou o processo que fundou a Revolução Francesa, no século XVIII, três valores tornaram-se fundamentais como objetivos para uma nova sociedade e um novo homem. A Revolução, considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea, propunha abolir a servidão e os direitos feudais, proclamando os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" , frase do filósofo autoria de Jean-Jacques Rousseau.
Quando olhamos para a nossa atualidade, todavia, especialmente os anos que transcorreram desde o processo revolucionário, é possível observar que os três princípios ou não foram vivenciados de maneira satisfatória ou perderam a sua importância, embora todos nós defendamos que eles ainda são fundamentais.
Faço a seguinte indagação: será que viver livre, equitativa e fraternalmente não é um objetivo grandioso demais e distante da realidade? Como a nossa cultura tem um fundo bastante religioso, tendemos a elaborar projetos ou criar expectativas exageradamente impraticáveis: o reino dos céus é o verdadeiro reino. Ou seja, preferimos acreditar que um outro mundo é possível, mas já sabendo que ele será impossível nesse mundo. E me parece que os três princípios são dessa ordem. Por isso, quero pensar alguma coisa mais chão, mais mundana e mais real que não nos frustre tanto.
Partindo da idéia de que nós, seres humanos, somos finitos e incompletos, talvez caiba pensarmos ou elaborarmos “sonhos” e desejos mais concretos e vivenciáveis. Tenho refletido que a experiência da amizade, do respeito à diferença e da responsabilidade são valores mais perto de nós, que se integram e dependem, em certa medida, das nossas atitudes e escolhas.
Embora eu vá desenvolver melhor essas reflexões em artigos futuros, esses valores nos dão a possibilidade de reconhecer o outro e conviver com ele. No que se refere à amizade, Aristóteles, filósofo grego, a considera uma virtude sumamente necessária à vida, pois na companhia de amigos os homens são mais capazes tanto de agir como de pensar. Nesse caso, o outro não é apenas alguém de quem tiramos proveito ou sentimos prazer em estar com ele, mas fundamentalmente alguém que possibilita vivermos a nossa bondade, a amizade perfeita. E esta é a amizade dos homens bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e o fazem em razão da sua própria natureza e não de forma fugaz e acidental.
A boa convivência com outro, elemento essencial para a construção das relações humanas, precisa também considerar que não somos iguais, mas temos crenças, desejos, valores, vontades, maneira de ser e agir diferentes. Assim, exercer atitudes respeitosas para com o outro é essencial se quisermos viver a nossa humanidade de forma concreta, satisfeita, já neste mundo.
No entanto, isso não quer dizer que podemos fazer tudo, visto que já nao teríamos valores e princípios universais que nos orientem. Se concordarmos que somos nós e o mundo, por meio de nossas relações com o outro, cumpre-nos uma carga maior de responsabilidade para enfrentarmos as exigências do nosso cotidiano, muitas vezes duro e desagradável. Essa é a nossa tarefa num mundo onde muitas das denúncias dos revolucionários franceses ainda persistem, além de outros dramas criados pelo capitalismo.