quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Amizade, respeito à diferença e responsabilidade


Os livros de história nos ensinam que quando se instaurou o processo que fundou a Revolução Francesa, no século XVIII, três valores tornaram-se fundamentais como objetivos para uma nova sociedade e um novo homem. A Revolução, considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea, propunha abolir a servidão e os direitos feudais, proclamando os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" , frase do filósofo autoria de Jean-Jacques Rousseau.
Quando olhamos para a nossa atualidade, todavia, especialmente os anos que transcorreram desde o processo revolucionário, é possível observar que os três princípios ou não foram vivenciados de maneira satisfatória ou perderam a sua importância, embora todos nós defendamos que eles ainda são fundamentais.
Faço a seguinte indagação: será que viver livre, equitativa e fraternalmente não é um objetivo grandioso demais e distante da realidade? Como a nossa cultura tem um fundo bastante religioso, tendemos a elaborar projetos ou criar expectativas exageradamente impraticáveis: o reino dos céus é o verdadeiro reino. Ou seja, preferimos acreditar que um outro mundo é possível, mas já sabendo que ele será impossível nesse mundo. E me parece que os três princípios são dessa ordem. Por isso, quero pensar alguma coisa mais chão, mais mundana e mais real que não nos frustre tanto.
Partindo da idéia de que nós, seres humanos, somos finitos e incompletos, talvez caiba pensarmos ou elaborarmos “sonhos” e desejos mais concretos e vivenciáveis. Tenho refletido que a experiência da amizade, do respeito à diferença e da responsabilidade são valores mais perto de nós, que se integram e dependem, em certa medida, das nossas atitudes e escolhas.
Embora eu vá desenvolver melhor essas reflexões em artigos futuros, esses valores nos dão a possibilidade de reconhecer o outro e conviver com ele. No que se refere à amizade, Aristóteles, filósofo grego, a considera uma virtude sumamente necessária à vida, pois na companhia de amigos os homens são mais capazes tanto de agir como de pensar. Nesse caso, o outro não é apenas alguém de quem tiramos proveito ou sentimos prazer em estar com ele, mas fundamentalmente alguém que possibilita vivermos a nossa bondade, a amizade perfeita. E esta é a amizade dos homens bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e o fazem em razão da sua própria natureza e não de forma fugaz e acidental.
A boa convivência com outro, elemento essencial para a construção das relações humanas, precisa também considerar que não somos iguais, mas temos crenças, desejos, valores, vontades, maneira de ser e agir diferentes. Assim, exercer atitudes respeitosas para com o outro é essencial se quisermos viver a nossa humanidade de forma concreta, satisfeita, já neste mundo.
No entanto, isso não quer dizer que podemos fazer tudo, visto que já nao teríamos valores e princípios universais que nos orientem. Se concordarmos que somos nós e o mundo, por meio de nossas relações com o outro, cumpre-nos uma carga maior de responsabilidade para enfrentarmos as exigências do nosso cotidiano, muitas vezes duro e desagradável. Essa é a nossa tarefa num mundo onde muitas das denúncias dos revolucionários franceses ainda persistem, além de outros dramas criados pelo capitalismo. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

DEUS SEGUNDO ESPINOZA


Bento de Espinoza (também Benedito Espinoza; ou Baruch Spinoza)

Pára de ficar rezando e batendo no peito!
O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes  tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias.
Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável.
Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.
Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir.
Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim.
Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.
Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão.
Não há nada a perdoar.
Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre.
Não há prêmios nem castigos.
Não há pecados nem virtudes.
Ninguém leva um placar.
Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse.
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste...
Do que mais gostaste?
O que aprendeste?
Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar.
Eu não quero que acredites em mim.
Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-me!
Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem.
Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria!
Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações?
Não me procures fora!
Não me acharás.
Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.”

Baruch Espinoza - nascido em 1632 em Amsterdã, falecido em Haia em 21 de fevereiro de 1677, foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com Renè Descartes e Gottfried Leibniz. Era de família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.