terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A razão pode tudo?



Não pode, mas ajuda bem. Essa seria uma resposta bem direta e rápida, mas vivemos num tempo que é preciso parar um pouco mais para responder. A história mostra que somos culturalmente formados para acreditar no poder da razão. Na época moderna, a razão adquiriu o status de guardiã e vanguarda das transformações que vimos acontecer no mundo. As práticas científicas, fundadas na razão, se transformaram em técnicas que penetraram com seus tentáculos nas mais diversas esferas das atividades humanas. Pensemos: em qual área que ainda não entramos para investigar?
Esse poderio todo se manifestou inclusive em fatos históricos bem recentes, como é o caso, por exemplo, do nazismo na primeira metade do século passado. Cruel e bárbaro, o nazismo para se instalar teve a colaboração de pessoas que pensaram racionalmente sobre a melhor maneira de dominar e exterminar outras pessoas. Semelhantes eliminando semelhantes. Filósofos, sociólogos, médicos, biólogos, etc, tornaram-se algozes atrozes de uma política de aniquilação de homens, mulheres e crianças. Tudo foi pensado, planejado e executado racionalmente. Engenheiros e químicos, oriundo dos bancos universitários, calcularam sob medida a funcionalidade de um campo de concentração e da câmara de gás.
No livro Dialética do Esclarecimento, escrito em 1947 e de dois filósofos judeu-alemães, Theodor Adorno e Max Horkheimer, que foram perseguidos pela política anti-semitismo, é apresentada uma análise crítica desse processo de constituição da ideologia racionalista. Procurando entender por que será que um discurso que prometia a emancipação humana levou uma nação a uma atitude tão violenta e totalitária, os autores concluem que o esclarecimento prometido não passou de uma profunda calamidade humana.
Membros da Escola de Frankfurt, Adorno e Korkheimer, concluíram que esse negócio de “esclarecimento” se constitui, nada mais nada menos, do que uma série de fenômenos modernos, dentro dos quais encontramos o processo de racionalização, que rompe com a tradição e faz com que os hábitos de vida modernos sejam guiados pela lógica do cálculo e da previsibilidade.
Nesse processo, o mundo é desmitologizado, levando o homem moderno a deixar de lado suas crenças antigas, direcionando-o a apostar tão-somente nas crenças baseadas na razão. Assim, o que se vê é a matematização do conhecimento, em que considera como conhecimento válido apenas aquilo que é comprovado e testado segundo a lógica racional da ciência moderna.
A consequência direta desse desenrolar histórico é a transformação do saber em aparato de dominação, visto que os detentores do domínio racional executam a prática de dominação política e econômica sobre o mundo, de modo que poder e conhecimento aparecem como sinônimos, levando o sujeito moderno à condição de refém da técnica racional como verdade.
O estilo de vida que se apresenta agora é que os homens deixam-se enganar pela aparência da sociedade capitalista e do seu meio de produção. Por fim, tudo agora se torna capaz de passar pelo crivo da técnica, fazendo com que os métodos burocráticos e tecnicistas, baseados na racionalidade, no cálculo e na disciplina, sejam tidos como os mais corretos no desenvolvimento das diretrizes modernas. E com isso, o mundo dos sentimentos, das paixões, etc, tende a desaparecer pela repressão. Mas isso é assunto para outra conversa.

*Alonso Bezerra de Carvalho é formado em Filosofia e Ciências e Doutor em Filosofia da Educação. É professor da Unesp. E-mail: alonsoprofessor@yahoo.com.br