Não pode, mas ajuda bem. Essa seria uma resposta bem
direta e rápida, mas vivemos num tempo que é preciso parar um pouco mais para
responder. A história mostra que somos culturalmente formados para acreditar no
poder da razão. Na época moderna, a razão adquiriu o status de guardiã e
vanguarda das transformações que vimos acontecer no mundo. As práticas
científicas, fundadas na razão, se transformaram em técnicas que penetraram com
seus tentáculos nas mais diversas esferas das atividades humanas. Pensemos: em
qual área que ainda não entramos para investigar?
Esse poderio todo se manifestou inclusive em fatos
históricos bem recentes, como é o caso, por exemplo, do nazismo na primeira
metade do século passado. Cruel e bárbaro, o nazismo para se instalar teve a
colaboração de pessoas que pensaram racionalmente sobre a melhor maneira de
dominar e exterminar outras pessoas. Semelhantes eliminando semelhantes.
Filósofos, sociólogos, médicos, biólogos, etc, tornaram-se algozes atrozes de
uma política de aniquilação de homens, mulheres e crianças. Tudo foi pensado,
planejado e executado racionalmente. Engenheiros e químicos, oriundo dos bancos
universitários, calcularam sob medida a funcionalidade de um campo de concentração
e da câmara de gás.
No livro Dialética do
Esclarecimento, escrito em 1947 e de dois filósofos judeu-alemães, Theodor
Adorno e Max Horkheimer, que foram perseguidos pela política anti-semitismo, é
apresentada uma análise crítica desse processo de constituição da ideologia
racionalista. Procurando entender por que será que um discurso que prometia a
emancipação humana levou uma nação a uma atitude tão violenta e totalitária, os
autores concluem que o esclarecimento prometido não passou de uma profunda calamidade
humana.
Membros da Escola de Frankfurt, Adorno e Korkheimer,
concluíram que esse negócio de “esclarecimento” se constitui, nada mais nada
menos, do que uma série de fenômenos modernos, dentro dos quais encontramos o
processo de racionalização, que rompe com a tradição e faz com que os hábitos
de vida modernos sejam guiados pela lógica do cálculo e da previsibilidade.
Nesse processo, o mundo é desmitologizado, levando o
homem moderno a deixar de lado suas crenças antigas, direcionando-o a apostar
tão-somente nas crenças baseadas na razão. Assim, o que se vê é a matematização
do conhecimento, em que considera como conhecimento válido apenas aquilo que é
comprovado e testado segundo a lógica racional da ciência moderna.
A consequência direta desse desenrolar histórico é a
transformação do saber em aparato de dominação, visto que os detentores do
domínio racional executam a prática de dominação política e econômica sobre o
mundo, de modo que poder e conhecimento aparecem como sinônimos, levando o sujeito
moderno à condição de refém da técnica racional como verdade.
O estilo de vida que se apresenta agora é que os
homens deixam-se enganar pela aparência da sociedade capitalista e do seu meio
de produção. Por fim, tudo agora se torna capaz de passar pelo crivo da
técnica, fazendo com que os métodos burocráticos e tecnicistas, baseados na
racionalidade, no cálculo e na disciplina, sejam tidos como os mais corretos no
desenvolvimento das diretrizes modernas. E com isso, o mundo dos sentimentos,
das paixões, etc, tende a desaparecer pela repressão. Mas isso é assunto para
outra conversa.
*Alonso
Bezerra de Carvalho é formado em Filosofia e Ciências e Doutor em Filosofia da
Educação. É professor da Unesp. E-mail: alonsoprofessor@yahoo.com.br