sábado, 7 de março de 2015

Nós e a civilização

Embora desejado e comemorado por pais e familiares, o nascimento do bebê é revestido de um processo que afeta a todos, principalmente aquele que acaba de nascer. É dolorido e, diria, até mesmo traumático sair do útero materno e ter que enfrentar o mundo aqui fora. O ato de corte do cordão umbilical é para criança o primeiro momento mais doloroso de sua vida, a tal ponto que a primeira coisa que ela faz é chorar. Se antes a criança está ligada à mãe e não tinha que fazer nenhum esforço, agora é preciso começar a construir a sua identidade, a sua individualidade, enfim, o seu Eu. Ao nascer, o bebê ainda não é capaz de fazer a separação ou a distinção entre o Eu e o mundo exterior, algo que ele vai conseguindo realizar aos poucos, por meio de diversos estímulos. Ele começa percebendo que não consegue satisfazer sua vontade de mamar, por exemplo, sempre que deseja, pois essa satisfação não depende, agora, apenas dele. Podemos considerar esse momento, ou seja, a relação com o peito materno, algo que se acha fora dele e que somente por meio de uma ação – o grito, o choro, etc. – aparece, como o primeiro sinal de que a vida é uma permanente luta e busca de satisfação, que nem sempre conseguimos, gerando frustrações, dores e sofrimentos. Por outro lado, esse processo gera em nós, desde a tenra infância, a capacidade de distinguirmos e de isolarmos todas as fontes de desprazer, proporcionando reconhecimento e os primeiros passos de construção de nossa individualidade e, quiçá, de nossa liberdade. Todavia, essa liberdade que vai se ampliando com o crescimento, ao mesmo tempo deve sofrer restrições para o próprio bem da civilização e para que possamos viver em grupo, de forma a não ser confundida com a brutalidade e a arbitrariedade dos mais fortes sobre os mais fracos. Ou seja, todos os desejos dos indivíduos não podem prevalecer. Liberdade não é isso. Por exemplo, e de acordo com Freud, a civilização restringe a vida sexual do indivíduo, determinando que somente o sexo oposto se torne objeto de seu amor sexual, embora isso esteja mudando bastante hoje. À civilização não agrada a ideia do sexo apenas como fonte de prazer, mas sim como modo de reprodução, como quer a ética cristã. Assim, para o homem civilizado, o sexo deixa de ser fonte de sensações felizes, reduzindo sensivelmente seu papel na busca pela felicidade. Dessa forma, a civilização faz o possível para unir os membros da comunidade por meio da amizade, criando laços de identificação e fortalecendo vínculos. Para isso, é inevitável que a vida sexual seja reprimida e que a libido seja direcionada para um amor fraternal. Ao lado dos vínculos amorosos e fraternais que surgem entre os indivíduos, fortalecidos pela sociedade, há também o instinto agressivo, de destruição e hostilidade de um contra todos, o instinto de morte. Desse modo, para Freud, a evolução cultural apresenta a luta entre o instinto de vida e o instinto de morte, embate que corresponde ao conteúdo essencial da vida humana. Portanto, desde o nascimento a tarefa que nos cabe é prepararmo- nos para conviver no seio da civilização, o que pode gerar situações de mal estar e de insatisfação. Talvez tudo isso é o que dá sentido às nossas vidas. 


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