terça-feira, 7 de maio de 2013

Em vez de se fazer política, políticos - pelo menos, uma parcela deles - fazem apenas "negócios"


João Sayad: Taxonomia dos ratos
Face a problemas insuperáveis, a ciência classifica.
Médicos classificam tumores em benignos, malignos, perversos ou dóceis. Zoólogos falam de baratas pretas, marrons, voadoras, cascudas ou molengas; ratos de rabo longo, camundongos, ratazanas, roedores urbanos e rurais. O método se chama taxonomia.
Se é impossível resolver, extinguir ou explicar, classificamos. O taxonomista é, antes de tudo, um resignado.
Convido o leitor a iniciar uma taxonomia da corrupção.
Existe a corrupção do fiscal, do policial, do oficial de justiça, do perito avaliador, do inspetor da prefeitura, do parlamentar. Esta é a malversação do tipo público. E a corrupção do setor privado, obviamente, faz par a cada uma das classes de corrupção do setor público.
Mas gêneros, espécies e subespécies ainda não foram bem definidos.
Contribuo, então, com uma classificação que, mesmo modesta, pode aumentar a produtividade dos caçadores de ratos, fabricantes de inseticidas e ratoeiras, auditores, corregedores, promotores, funcionários do Ministério Público, jornalistas e até gente do terceiro setor que ainda se incomode com o tema.
Dividiria a corrupção do setor público em dois grandes grupos.
A grande corrupção (chamemos de corrupção "a la grande") está associada a investimentos públicos enormes. É o mundo das negociatas impressionantes, das concessões viciadas, das toneladas de cimento.
O caso famoso do prédio do Tribunal Regional do Trabalho, na Barra Funda, em São Paulo, é bom exemplo. O prédio está lá. É grande, espaçoso e funcional. Pode-se dizer até que é bonito. Custou 160 milhões de reais a mais do que deveria ter custado. Mas está lá.
O culpado pelo desvio foi morar em Miami, comprou um monte de carros esporte e voltou preso. Quem ficou aqui acabou devolvendo em prestações o superfaturamento praticado. A relação custo-benefício, no final das contas, foi positiva: houve custo excessivo, mas o prédio, repita-se, ficou pronto.
As características desse tipo de corrupção são duas: primeiro, o bem público foi produzido e entregue. Depois, o valor subtraído ficou conhecido e teve limite. Acabou a obra, acabou o roubo. E os culpados mudam de ramo e nos deixam em paz, se não forem presos.
Existe também a corrupção pequena (de custeio, diriam os economistas): contrata parentes, compra papel higiênico superfaturado, orienta a criação de empresas de fachada para prestarem serviços, cria cooperativas para pagar funcionários terceirizados, faz acordo de "kick back" com os fornecedores e, principalmente, avacalha, paralisa, lasseia e termina por matar a organização que administra.
Esse tipo de corrupto "petit cash" instala-se em organizações públicas menores, nas quais pode atender a fisiologia e necessidades de financiamento eleitoral sem ser percebido de imediato. funcionários de carreira; o segredo e a confidencialidade passam a ser as regras na organização.
E os serviços públicos que seriam oferecidos vão perdendo qualidade, tornam-se irrelevantes. Os funcionários acabam deprimidos, pois não têm o que fazer, ganham mal e sabem que o "andar de cima" ganha bem por dentro e por fora. O resultado é o apodrecimento da organização até a morte definitiva.
O custo desse tipo de corrupção parece pequeno. Mas um desvio de 1 milhão por ano por tempo indefinido tem um valor atual elevado. Se a taxa de juros de desconto for de 7,5% ao ano, 1 milhão por ano custa ao contribuinte mais de 10 milhões.
Sangra a organização anos a fio, faz favores a seus superiores e enche-se de queijo de maneira paulatina e continuada. A alta administração do órgão se afasta e se esconde dos Pior ainda, a relação custo-benefício é infinita: custa 10 milhões e não oferece nenhum benefício público. Não há adição, só subtração. É dez dividido por zero.
Não há um prédio, não há nada concreto no fim da linha, só há ruínas e desmoralização. E a sociedade fica sem o serviço público direito, enquanto centenas de funcionários passam anos em meio ao lixo.
Finalmente, esse tipo de corrupção tem um agravante.
Como é obtido em suaves prestações, não permite ao parasita fugir para outro país, ir morar na praia ou dedicar-se à criação de cavalos. O parasita permanece grudado na instituição hospedeira da qual suga o sustento por longos períodos, até que mudem os partidos no governo.
É uma corrupção mixa, que não produz fóruns, estradas ou pontes.
Proponho, a quem tiver paciência de continuar o trabalho de classificação, chamá-la de "corrupção brega". Minha vontade de prosseguir na tarefa acabou. Estou indignado.
JOÃO SAYAD, 67, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é presidente da Fundação Padre Anchieta

A morte não é nada para nós


Quando o nosso corpo fica doente uma das primeiras medidas que tomamos é procurar um médico ou providenciar um remédio para que o mal seja extirpado. O prazer, a tranquilidade da alma e a ausência de perturbação são desejos que queremos ver realizados.
Essa paz espiritual e a experiência de viver sem dor e sofrimento já se encontra entre os gregos, em especial na filosofia de Epicuro(342-217 a. C.). Segundo ele, o ponto de partida de um modo de vida prazeroso está em não sentir fome, nem sede e nem frio. A felicidade de cada indivíduo encontra-se num exercício permanente em que buscamos não os prazeres momentâneos, doces e efêmeros. É por procurar unicamente esses prazeres que os homens encontram a insatisfação e a dor, porquanto esses prazeres são insaciáveis e, tendo chegado a certo grau de intensidade, tornam a trazer sofrimentos.
A felicidade suficiente, perfeita e plena e o prazer estável são escolhas que nós podemos fazer, ao invés de sermos torturados por desejos vazios: a riqueza, a luxúria, a dominação. Assim, devemos optar pelos desejos naturais e necessários, que são aqueles que levam à satisfação de nos libertarmo de uma dor e que correspondem às necessidades elementares, às exigências vitais. Diz Epicuro: “Graças sejam rendidas à bem-aventurada Natureza que fez com que as coisas necessárias sejam fáceis de alcançar e que as coisas difíceis de alcançar não sejam necessárias”.
Para aprofundar e melhor esclarecer sua posição, Epicuro formula o que ele chama de “quádruplo remédio”: 1. Os deuses não são feitos para temer; 2. A morte não é feita para amedrontrar; 3. O bem não é fácil de conquistar e 4. Nem o mal de suportar.
De fato, quem quiser viver bem não deveria se pré-ocupar com a morte. Seria perturbador a nós se ficarmos organizando a nossa vida a partir do fim dela, pois enquanto cada um de nós existir a morte não existe e quando ela existir nós já não existimos mais. Enfim, a morte não é nada para nós, ou seja, nós nos bastamos as nós mesmos e quando a morte sobrevir nós não somos mais nós mesmos.
Deste modo, sumprimindo a morte de nossas preocupações, devemos nos ocupar com a vida. A satisfação de nossos desejos vem, portanto, pela prática da disciplina que nos leva saber contentar-se com o que é fácil de alcançar, com o que satisfaz as necessidades fundamentais do ser, e renunciar ao que é supérfluo. Fórmula simples, mas que não deixa de levar a uma alteração radical da vida: contentar-se com comidas simples, roupas simples, renunciar às riquezas, às honras, enfim, viver retirado.
É verdade que essa vida filosófica parece impossível nos dias atuais, mas podemos a partir dela olhar e observar que sentido estamos dando às nossas existências hoje. Será que vale o sacríficio amendrontarmo-nos com a morte, tornando-nos escravos de desejos insaciáveis que nos leva ao sofrimento e à dor? A pensar!