sábado, 11 de fevereiro de 2012

Viva a simbiose das culturas! Edgar Morin


Cada cultura tem as suas virtudes, seus vícios, seus conhecimentos, suas artes de viver, seus erros, suas ilusões. É muito importante, na era global como a nossa, aspirar, em cada nação, a integração daquilo que os outros tem de melhor, e buscar a simbiose do melhor de todas as culturas.
            A França deve ser considerada em sua história, não só pelos ideais de Liberdade, Fraternidade, Igualdade promulgadas pela Revolução, mas também segundo o comportamento que teve ao exercer o poder que, como seus vizinhos europeus, praticou por séculos a escravidão, colonizando e oprimindo povos bem como negando as suas aspirações de emancipação. Há uma barbárie intrínseca à cultura européia que produziu ou tem produzido o colonialismo, os totalitarismos fascistas, nazistas e comunistas. Enfim, deve-se considerar não só uma cultura de acordo com seus ideais nobres, mas também segundo a maneira que adota para camuflar a barbaridade presentes nesses ideais.
Podemos nos orgulhar de uma minoria que é ou foi capaz de fazer uma auto-crítica da nossa cultura, de Montaigne a Lévi-Strauss passando por Montesquieu, que não só denunciaram a barbárie na conquista das Américas, mas também a barbárie de um pensamento que "chama de bárbaros os povos de outras civilizações "(Montaigne).
Da mesma forma o cristianismo, que não pode ser visto apenas pelos preceitos do amor evangélico que prega, mas também pela intolerância histórica para com outras religiões, por exemplo, o antijudaísmo milenar bem como o processo de erradicação dos muçulmanos dos territórios cristãos, embora historicamente os cristãos e os judeus fossem tolerados em países islâmicos, notadamente pelo Império Otomano.
É verdade que a civilização moderna, nascida na Europa Ocidental, espalhou no mundo inumeráveis progressos materiais, mas isso à custa de inúmeras deficiências morais, a começar  pelo grau de arrogância e de uma postura de superioridade, que suscitou o desprezo e a humilhação dos outros.

Sabedoria e artes de viver

Nessa discussão não se trata de defender um relativismo cultural, mas um universalismo humanista. Trata-se de ultrapassar o ocidental-centrismo e reconhecer a riqueza da variedade das culturas humanas. Trata-se de reconhecer não apenas as virtudes de nossa cultura e de seus potenciais emancipatórios, mas também as suas fraquezas e vícios, notadamente a vontade de poder e de domínio sobre o mundo, o mito da conquista da natureza e a crença no progresso como um destino da história.
Temos de reconhecer os vícios autoritários das culturas tradicionais, mas também a existência de solidariedades que a nossa modernidade fez desaparecer. Reconhecer que tiveram um melhor relacionamento com a natureza e considerar as sabedorias e as artes de viver nas pequenas culturas indígenas..
O falso universalismo consiste em acreditar que somos proprietários do universal -  crença que nos levou a encobrir a nossa falta de respeito por outras culturas humanas e os nossos vícios de dominação. O verdadeiro universalismo busca nos colocar em um meta-ponto de vista humano que nos engloba e nos ultrapassa, para que o tesouro da unidade humana esteja na diversidade de culturas. E o tesouro da diversidade cultural na unidade humana.
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Texto traduzido do francês por Alonso Bezerra de Carvalho. 
Texto original in: http://www.lemonde.fr/idees/article/2012/02/07/vive-la-symbiose-des-cultures_1639966_3232.html. Acesso em 11.02.2012 às 12h05.

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